quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Bolsa Família não é osso para andar na boca de cachorro

     As eleições se encerraram no último domingo, mas a política continua. Continua porque, como diria Hannah Arendt ela é a pluralidade entre os homens. Pretendo apresentar um breve balance do que tenho visto e presenciado nos últimos dias tanto nas redes sociais quanto no contato direto com colegas, companheiros de trabalhos e conhecidos de outras instâncias.
       A sensação é, sobretudo, desesperadora. Inúmeros argumentos esdrúxulos e desconexos tem sido utilizados livremente para assegurar a perpetuação da exploração e da discriminação. Li em vários perfis de amigos virtuais, muitos dos quais devidamente excluídos por suas declarações xenófobas, que o Bolsa Família é um programa criado pelo governo PT para sustentar os pobres. Pretendo aqui elencar alguns pontos e desconstruir essa ideia, dentro de uma perspectiva também crítica. Em primeiro lugar é importante que fique claro que fui beneficiário desse programa e sei muito bem o que significou. Em segundo lugar destaco que não tenho simpatia alguma pelo PT, nem sua condução política, social e econômica-nítidamente em moldes neoliberais. O PT de hoje está completamente distante daquele da década de 1980 e que representava um momento de esperança para a classe trabalhadora brasileira, aglutinando vários setores progressistas e construindo núcleos de atuação. Para entender a transformação do PT nas últimas décadas ver o dossiê disponível no site (http://marxismo21.org/10-anos-de-governos-do-pt-natureza-de-classes-e-neoliberalismo/)
     Mas voltemos ao Bolsa Família. Vejamos duas frases comumente lidas nas redes sociais:
     1) "O bolsa família sustenta vagabundo": essa frase é espalhada por pessoas que acreditam piamente que "o trabalho dignifica o homem".Conforme dados disponibilizados no site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), mais de 70% dos beneficiados com esse programa trabalham! Mas, se trabalham, porque precisam de renda extra? Porque a renda que ganham lhes oferece condições de atender as demandas mínimas de sobrevivência digna. Ou seja, falta alimento, material escolar, roupa e condições mínimas de moradia. O Bolsa Família atende famílias com renda per capita inferior a R$70 reais! Você já experimentou viver com esse valor? Se não, tente.
   2) "A classe média, com seus impostos é que sustenta esse programa": indico, antes de qualquer coisa a leitura do texto publicado na Gazeta do Povo (http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/caixa-zero/quanto-o-bolsa-familia-custa-para-o-seu-bolso/). A União investe 24 bilhões por ano com esse programa e do nosso bolso não saí R$ 5 reais. Aí eu pergunto: reclama dos 24 bi, mas e os 1,7 trilhões para as amortizações da dívida pública? Só para te dar calafrios, a dívida interna atual, conforme exposto pelo site Auditoria Cidadã (http://www.auditoriacidada.org.br/) é de quase 3 trilhões e a externa de 485 bilhões.
O Bolsa Família é um bom programa a curto prazo, mas a longo prazo, como bem defendeu Isabel Grassiolili, em sua dissertação de mestrado (http://tede.unioeste.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1215), ele transforma a "riqueza passiva, vista como um problema social em pobreza ativa para o capital". Com o capital circulado a economia se aquece e a acumulação capitalista se mantém a todo tom. A contradição do bolsa família (ao mesmo tempo que insere parcelas consideráveis do subproletariado no mercado de trabalho, mantém a dinâmica econômica do capital ativa) não deve servir de osso na boca de cachorro. O fim da miséria implica necessariamente o fim dos desmandos do capital. Ou, o aprofundamento constante das políticas públicas. E convenhamos, o governo do PT está bem distante disso. Enquanto isso não acontece, você, que viaja para o Nordeste nas férias, tem carro parcelado em 36 vezes e a casa financiada precisa desenvolver melhor sua humanidade.

Em tempo: se você "cresceu na vida sem bolsa família", parabéns. Parabéns também e você precisou burlar vários impostos para conseguir isso.