quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Quando a violência se torna um problema político e ambiental?


    O texto do professor e filósofo Jefferson Moraes, publicado em seu blog (http://afasiamoral.blogspot.com.br/) aborda um fenômeno que, como muito bem definido no começo de “O ódio e a violência são problemas estritamente político/ambientais?” foi e continua sendo “desafiador para a compreensão humana”. Não sem razão, debruçaram-se sobre ele vários pensadores e intelectuais como Hegel, Marx e Nietzsche e mais precisamente na atualidade o polêmico e baderneiro filósofo esloveno Slavoj Žižek.

          Nosso objetivo aqui é contribuir para o debate em torno dessa temática tão atual, cuja discussão mais numerosa e densa ganhou força apenas a partir da década de 1980 (ver. http://rbhcs.com/index_arquivos/Artigo.Refletindo%20sobre%20a%20viol%C3%AAncia.pdf ). Por isso, estamos longe de propor uma análise metódica e detalhada sobre o processo da violência, até porque sobre isso existem várias obras disponíveis. Esse espaço reúne espasmos de pensamento que pretendem abordar a violência desde a perspectiva social e política.

         Que a violência existe desde o mais remoto registro material de atividade humana não resta dúvida. O mundo natural, hostil e porque não desconhecido, impunha ao homo sapiens a produção de violência em escala absurda para sobreviver. Mas o homem foi se organizando de acordo com as demandas que o meio lhe impunha. Friedrich Engels, no fantástico livro A Origem da família, da propriedade privada e do Estado aponta que a civilização é um dso estágios da sociedade caracterizado sobretudo por três questões que causaram uma revolução na organização política e econômica: divisão do trabalho, troca entre indivíduos e a produção mercantil. A apropriação individual de mercadorias e a consequente acumulação primitiva fazem surgir formas de relações sociais diferenciadas: é a capacidade de organização do homem posta a prova. O que concedia coesão ao todo social, ao grupo de homens na dita “sociedade civilizada” era o Estado. Por isso, afirma Engels: “A força de coesão da sociedade civilizada é o Estado, que, em todos os períodos típicos, é exclusivamente o Estado da classe dominante e, de qualquer modo, essencialmente uma máquina destinada a reprimir a classe oprimida e explorada” (199). As transformações históricas, reconhecidas as múltiplas variedades sociais e políticas (organização do poder, divisão social, etc) apresentam em comum esse Estado hegemônico, não um monstro externo, mas um ser criado no seio das relações sociais.

           Os Estados do pós Renascimento, como escreve Max Weber no A política como vocação fazem o uso do monopólio da violência. Processo, diga-se de passagem legitimamente reconhecido e autorizado. O Estado Moderno e soberano, portanto, produz violência já que sua ação coercitiva, apesar de ser legitimada, causa estranhamento nos indivíduos na medida em que representa interesses de setores dominantes da sociedade.

             Por isso, a frase: “(...) Isto é, utilizando como auxílio o reconhecimento dos altos índices de violência nos grandes centros urbanos, podemos afirmar que a violência representa uma resposta social hostil daqueles indivíduos que não aceitam as demandas organizacionais vigentes e, portanto, tal problema depende de uma equiparação ou inversão desses interesses?” esquece de apontar a violência institucionalizada e material proposta pelas classes dominantes via Estado. A violência que temos é a do oprimido, nunca a do opressor.

             Está longe, mas muito longe do interesse desse texto negar as contribuições fantásticas que a neurociência, a psicologia evolutiva e a sócio-biologia tem apresentado. Mas, a demanda da violência não pode ser pensada a-historicamente. Isso significa que o Estado enquanto catalizador e pulverizador da violência representa interesses privados. A violência, como afirma Žižek precisa ser desfetichizada (ver https://www.youtube.com/watch?v=29YFfKZD1B0 ). Isso significa pensar a violência para além da reação do oprimido. A violência do Estado é acima de tudo material (expressa-se por exemplo na atuação da polícia nas muitas favelas do Rio de Janeiro), mas também simbólica e invisível. A essas duas últimas estamos tão adestrados que nem notamos. A própria democracia burguesa atual é uma violência. Por isso, o consenso será sempre: qualquer mudança de ordem significa necessariamente violência. Nas palavras de Marx, a violência é parteira do novo. Essa violência não institucionalizada é criminalizada. A do Estado legalizada. Seus excessos justificados debaixo do discurso de manutenção da ordem.


         Por isso, assim como Žižek sou a favor da violência! Mas da violência que deslegitima o legítimo. A violência, assim como a história precisa ser pensada também no campo das ideias. Isso significa que deve-se lutar pela construção histórica de um conceito de violência que atenda as demandas da transformação social. Por isso, a criativa e instigante pergunta formulada pelo professor Jefferson ( “Entretanto, será que a solução para amenizar a violência entre os partícipes de uma determinada comunidade reside na melhor organização social e política como as teorias ambientais propõem?”), pensada no contexto que aqui tentei desenvolver já tinha sido respondida pelo próprio Engels: “Com o desaparecimento das classes, desaparecerá inevitavelmente o Estado. A sociedade, reorganizando de uma forma nova a produção, na base de uma associação livre de produtores iguais, mandará toda a máquina do Estado para o lugar que lhe a de corresponder: o museu de antiguidades, a lado da roca de fiar e do machado de bronze.” (196). A violência vai desaparecer? Longe de mim afirmar uma besteira desse tamanho. Mas como ela precisa ser pensada também por um viés histórico, podemos ao menos pensar que muita coisa vai mudar. E por que não os índices de violência?