quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Carta de um miserável ou aviso prévio aos dominadores

   Aqui estou eu atingido pela infelicidade da vida, vagando pela densa floresta da miséria. Sou fruto das desigualdades impostas não pela natureza, mas pelo próprio homem. O homem é o lobo do homem, dizia Thomas Hobbes fazendo uma alusão a capacidade auto-destrutiva da humanidade. Não sou um andarilho, ou um sem-teto, ou um morador de rua, ou um ébrio que vês todo dia caído nos becos das grandes metrópoles. Grande equívoco! Sou um trabalhador como todos. Sou um explorado pelas condições materiais! Sou mais um entre milhões desgraçadamente atingido por baixos salários e condições extremas de vida.
     Minha miséria não e apenas material, mas também espiritual. Em meio ao caos da natureza, em meio a fome e a pobreza, me sinto destituído da própria essência da vida: a justiça. Ouvi apregoarem a muito tempo atrás alguns jargões, tais como liberdade, igualdade e fraternidade. Entretanto, me parece que a sociedade do século XXI jamais ouviu falar em tais palavras. Fui explorado! Fui destruído lentamente, corroído por um câncer que não atingiu apenas meu corpo material, mas também minha mente, meu coração. Como se não bastasse fui mortalmente atingido por uma flecha venenosa: a ganância. Essa flecha estava atada à ponta do individualismo que perpetrou meu coração. Posso ser rico um dia, mas as condições da sociedade em que vivo sempre atestaram meu real sentido: miserável e individualista. Miserável por ser dominado. Miserável por me sentir inútil. Miserável por perder o elo de um mundo fraterno.
     Senhores dominadores: não chorarei minha miséria. É findado o tempo em que dominaste sobre os miseráveis sem deixar-lhes opções alguma, comandando com braço de ferro. Foi vosso sistema que gerou essa situação caótica no mundo e é contra ele que luto. Gostaria de apagar da historia vossas ações na África. O cheiro de morte se faz sentir em vossas mãos! Desejaria apagar os crimes nas Américas. O sangue indígena das multidões assassinadas clama pelas praças do Peru, México, Brasil e outros. Fostes vós que gerastes esse mundo triste e vexatório, entretanto seremos nós que o transformaremos em um novo mundo. Um mundo socialmente livre, acima de tudo. Um mundo em que os direitos humanos estão no trono da práxis.
    Como poderás fazer isso sozinho? És um tolo! Podeis me questionar. Minha resposta não será apenas a de um miserável, mas a de bilhões de miseráveis: não farei nada sozinho, mas com meus companheiros. Tomamos consciência de vossa hegemonia e contra ela levantamos o bastão da justiça social. Prevalecerá a justiça da natureza e o que tiver que ser será. Não entronaremos uma pessoa, mas uma classe: a classe trabalhadora. O que vos parece lamúrias de um miserável é um aviso prévio de que o fim de vossa dominação esta chegando. Um atestado de óbito.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

História: breves anotações sobre questões teóricas I


O século XIX foi um importante marco na historiografia. Historiadores, em especial os alemães e franceses, elevaram a história a categoria das ciências, seguindo uma onda de cientifização que havia começado com as ciências naturais. A escrita da história estava, pois, comprometida com um método (observação, descrição, conclusão). O bom historiador era aquele capaz de descrever os fatos tal como eles haviam ocorridos, depois de observar minuciosamente as fontes de que dispunha. Os eventos foram fortemente valorizados. A relação sujeito-objeto deveria ser demarcada pela neutralidade do primeiro em relação ao segundo, ou seja, o fato bruto deveria ser representado sem interferências do historiador. Valorizou-se excessivamente a historia política e biográfica, em especial a historia "vista de cima", dos heróis. As fontes deveriam ser escritas. Documentos válidos eram aqueles que as ciências auxiliares da história, em especial a paleografia, heurística e lingüística julgavam como verdadeiros. Ao historiador cabia agrupar os dados, relacionar as fontes e descrever a verdade histórica sem interferir na divulgação dos fatos. A História assumiu o trono da erudição.

 O discurso historiográfico acima caracterizado levou historiadores a posteriori a denominarem essa escola de positivista ou metódica. O historiador era um cientista: seu trabalho deveria estar comprometido com um método. Em suma, a escola metódica marcou toda uma produção historiográfica, tendo como representante principal o alemão Leopold Von Ranke.
A crise dessa forma de escrever a historia se deu em meados do século XX em especial a partir de 1930 e teve na figura de M. Bloch e L. Febvre seus principais expoentes. Contrapondo-se a visão acima exposta acreditavam que ao historiador não cabia julgar, mas sim compreender o passado. Em relação às fontes históricas ouve uma importante ampliação dos documentos. Fonte, para os professores Bloch e Febvre se refere a todo objeto que recebeu o toque do homem: uma telha, uma pedra, uma folha, um papel, etc. Quebrando os paradigmas da escola positivista afirmavam que ate mesmo as fontes "falsas" eram úteis, na medida em que poderiam permitir ao historiador identificar as causas históricas de tal falsificação. O objeto da historia passou a ser o homem, mais especificamente o homem no tempo. Esse homem não era o mesmo da escola metódica. Não era apenas o herói, mas o marginal, o ladrão, o povo, as mulheres. Em suma: a história passou a ser “vista de baixo”. O passado só tinha sentido na medida em que era interpretado pelo presente. Dessa forma, a história passou a supor uma relação teórica mais intrínseca entre o sujeito e o objeto e entre o presente e o passado.